Uma parceria entre Brasil e Japão resultou no desenvolvimento de variedades geneticamente modificadas mais tolerantes ao estresse hídrico do que as plantas convencionais
A Embrapa ““ Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a partir de duas de suas unidades de pesquisa ““ Recursos Genéticos e Biotecnologia (BrasÃlia, DF) e Algodão (Campina Grande, PB) ““ conseguiu um resultado extremamente promissor para a cotonicultura no Brasil: a obtenção de plantas geneticamente modificadas (GM) de algodão com maior capacidade de tolerar os longos períodos de veranico e seca a que são submetidas na principal região produtora do País: o bioma Cerrado.
A conquista é decorrente de uma cooperação internacional iniciada em 2009 com o JIRCAS ““ Japan International Research Center for Agricultural Sciences, órgão vinculado ao governo japonês, e consistiu na introdução de um gene denominado DREB (dehidration responsive element bending) em plantas de algodão.
As plantas foram submetidas à retenção de água nas casas de vegetação da Embrapa Arroz e Feijão (Goiânia, GO) e mostraram maior desenvolvimento de parte aérea e raiz, assim como aumento de 26% na retenção das estruturas reprodutivas (botões florais, flores e frutos) em relação às plantas não transgênicas sujeitas às mesmas condições de estresse hídrico.
O próximo passo é solicitar à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) autorização para testá-las no campo, o que deverá ser feito em outra unidade da Embrapa: a Cerrados (Planaltina, DF).
“Trata-se de um resultado muito positivo e promissor para o agronegócio brasileiro“, comemoram a pesquisadora Maria Eugênia de Sá e a estudante de pós-doutorado Magda Beneventi, que conduziram os estudos na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, sob a coordenação da pesquisadora Fátima Grossi.
Na Embrapa Algodão, as pesquisas foram realizadas pelo pesquisador Giovani Brito, atualmente locado na Embrapa Clima Temperado. As plantas de algodão tolerantes à seca podem ajudar os cotonicultores brasileiros a enfrentarem uma das piores ameaças a este setor hoje no País: a alta ocorrência de veranicos do bioma Cerrado, marcados por longos e fortes períodos de seca.
Evolução da cultura
O algodão é um produto de extrema importância socioeconômica para o Brasil. Além de ser a mais importante fonte natural de fibras, garante ao País lugar privilegiado no cenário internacional, como um dos cinco maiores produtores mundiais, ao lado de China, Índia, EUA e Paquistão.
Até a década de 80, o cultivo de algodão no Brasil era concentrado, principalmente, nas regiões nordeste e centro-sul. A introdução do bicudo do algodoeiro, praga de maior impacto dessa cultura, aliada a outros fatores socioeconômicos e ambientais, devastou as lavouras algodoeiras, no período, fazendo com que o Brasil passasse de exportador a importador de algodão.
A partir da década de 90, a cultura migrou para a região do Cerrado e hoje ocupa uma área superior a um milhão de hectares, concentrada principalmente nos Estados de Mato Grosso, Bahia e Goiás.
Várias estratégias podem ser utilizadas para reduzir as perdas causadas pela seca, como o manejo adequado do solo e da lavoura e irrigação, entre outras. A biotecnologia tem se consolidado como importante aliada da agricultura nas últimas décadas, pois permite desenvolver variedades adaptadas a diferentes condições de estresses bióticos e abióticos.
Em paralelo aos estudos envolvendo a tolerância à seca em algodão, pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e da Embrapa Algodão concentram também esforços em pesquisas aplicadas biotecnologicamente ao controle do bicudodoalgodoeiro com estratégias de superexpressão de toxinas Cry (Bt) e de silenciamento gênico, por meio da tecnologia de RNA interferente (RNAi).
Após as adaptações desenvolvidas na Embrapa, especificamente para este inseto-praga, a equipe conseguiu obter plantas transgênicas que são capazes de interromper o ciclo do bicudo. Estas plantas de algodão GM se encontram em fase de fenotipagem a campo para reintrodução no Programa de Melhoramento do Algodão da Embrapa.
Além de garantir a estabilidade da produção no Cerrado, a Embrapa espera contribuir também para o restabelecimento da cultura do algodão na região nordeste do Brasil. “Em ambos os casos, os impactos sociais e econômicos poderão ser muito expressivos“, acreditam os pesquisadores responsáveis pelo estudo.
Primeiro resultado positivo no mundo
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As pesquisas consistiram na introdução do gene DREB 2A em plantas de algodão para induzir a tolerância à seca. Esse gene já vinha sendo aplicado com sucesso pela equipe da pesquisadora YamaguchiShinozaki do laboratório de estresses abióticos do JIRCAS, tendo resultado no desenvolvimento de plantas de arroz, trigo, tabaco e Arabidopsisthaliana (planta-modelo), com níveis diferenciados de tolerância à seca.
O gene DREB está diretamente ligado à expressão de proteínas e a sua principal vantagem é a capacidade de ativar outros genes responsáveis pela proteção das estruturas celulares durante o déficit hídrico.
O gene foi disponibilizado pelo instituto japonês, a partir da cooperação técnica entre as duas instituições, e a sua introdução em plantas de algodão foi uma iniciativa pioneira da Embrapa em nível mundial.