Luiz Carlos de Almeida*
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No Brasil, a cana-de-açúcar ocupa cerca de 9 milhões de hectares, sendo a terceira cultura em área cultivada. Na safra 2016/17, estima-se que serão moÃdas 691 milhões de toneladas de cana, com produção de 30,3 bilhões de litros de álcool e 37,5 milhões de toneladas de açúcar. O setor sucroalcooleiro ocupa posição de destaque no cenário socioeconômico brasileiro, dada sua importância na geração de renda, empregos e divisas para o País.
Mas poderÃamos estar produzindo muito mais, e sem aumento da área cultivada. Dentre as diversas pragas que ocorrem nas diferentes regiões produtoras de cana-de-açúcar, e que em conjunto causam perdas econômicas bilionárias ao setor, destaca-se como a principal a broca da cana, Diatraea saccharalis (Lepidoptera: Crambidae). Esta ocorre em todo o território nacional e em diversos países da América do Sul, Central e do Norte. Outras espécies pertencentes ao mesmo gênero são citadas e ocorrem esporadicamente em algumas regiões do país.
A broca da cana causa danos na cana planta a partir do terceiro mês após o plantio, quando ocorre a formação dos primeiros internódios basais. Inicialmente os danos são observados em brotos ou perfilhos novos que têm sua região de crescimento afetada pelas larvas da praga, resultando na morte da gema apical, secamento das folhas mais novas e morte do broto ou perfilho atacado. Este sintoma é conhecido como “coração morto“ e permite visualizar a condição inicial de infestação de um canavial. A morte da gema apical também pode ocorrer em colmos em desenvolvimento, causando o secamento das folhas e induzindo a brotação das gemas laterais e o enraizamento aéreo, fatos que comprometem negativamente a produção e a qualidade da matéria-prima.
Outro tipo de dano é causado pela praga no interior do colmo, escavando galerias e alimentando-se dos tecidos. As galerias longitudinais nos colmos provocam a perda em açúcar, porém as galerias circulares escavadas nos colmos causam a quebra das canas, o que interfere, de maneira mais significativa, na produção de cana e no teor de açúcar. Através dos orifÃcios abertos pelas larvas, ocorre a penetração de fungos dos gêneros Fusarium e Colletotrichum, que causam a podridão vermelha e provocam a inversão da sacarose, com a conseqüente redução nos teores de açúcar.
Para controlar uma praga nativa como a broca da cana, deve-se lembrar que ela já existe no local há dezenas de milhões de anos, e seu monitoramento é o primeiro passo para que a Unidade Produtora possa acertar na decisão do controle, e garantir a sustentabilidade da cultura.
Um dos componentes do monitoramento da broca é o levantamento da Intensidade de Infestação (I.I.) da praga. Os levantamentos são realizados por ocasião da colheita, analisando-se ao acaso 20 canas por hectare. Em seguida é feita a contagem dos entrenós totais, e rachando-se longitudinalmente os colmos efetua-se a contagem dos entrenós danificados pela broca, calculando-se então a Intensidade de Infestação percentual (I.I.%), que é a porcentagem dos entrenós brocados em relação ao total examinado.
Atualmente as ferramentas de controle de broca da cana são os inseticidas químicos e o controle biológico, sendo que este último é a principal tática do manejo integrado de pragas por apresentar características fortemente ecológicas para manter e aumentar os inimigos naturais no agroecossistema, e é comparável aos melhores sistemas biológicos implantados no mundo.
No entanto, estas ferramentas estão sendo suficientes para se minimizar as perdas econômicas na cultura? E, afinal, como quantificar estas perdas?
Os primeiros parâmetros de perdas agrícola e industrial por I.I.% de broca foram obtidos na década de 90 em testes de resistência de clones e variedades conduzidos em condições de telado, em função da impossibilidade de se obterem parcelas em condições de campo com infestações nulas ou próximas de 1,0% de entrenós brocados, que seriam a base de comparação com as parcelas de maior I.I.%. Estes testes em telados foram bem sucedidos neste aspecto, porém verificou-se que as canas apresentavam perfilhos e que o sombreamento provocado pela tela provocava o estiolamento das plantas, impedindo que as canas atingissem o ponto de maturação. Mesmo assim os experimentos conduzidos em telado e campo possibilitaram determinar, ainda que com parcial precisão, que para cada 1% de intensidade de infestação da cana pela broca ocorreriam perdas de 0,77% na produção de colmos, acrescidas de 0,25% na produção de açúcar ou 0,20% na produção de etanol.
Em função disso, visando uma melhoria na obtenção dos Ãndices de perdas por broca, foram esquematizados estudos com delineamentos experimentais estatÃsticos em condições de campo, com quatro níveis de infestação de larvas da broca e seis repetições nos anos 2000, 2002, 2004, 2005, 2007, 2009 e 2011, para 3 clones, 15 variedades SP e 25 variedades CTC (CTC1 a CTC24 e CTC9004), no total de 1.152 parcelas analisadas em cana planta e soca e assim puderam ser estabelecidos novos Ãndices de perdas mais ajustados ao manejo da cultura a campo.
A média de perdas entre estas variedades, e considerando primeiro e segundo cortes cada uma, a cada 1% de Intensidade de Infestação de broca, foi de 1,21% na produção agrícola de colmos, adicionada de perdas no processamento industrial de 0,38% na produção de açúcar e 0,27% na produção de etanol.  Estas perdas são equivalentes a uma redução de 2,53% na Margem de Contribuição Agrícola e 2,05% na Margem de Contribuição Industrial a cada 1% de Intensidade de Infestação da cana pela broca.
Vale salientar que outros autores, trabalhando com variedades de diferente programa de melhoramento, obtiveram Ãndices de perdas médios ainda maiores para cada 1% de intensidade de infestação de broca.
O nível de dano potencial da broca das áreas de cana-de-açúcar do Centro-Sul, ou seja, aquele que seria encontrado nos canaviais caso nenhum controle de broca fosse efetuado, é ao redor de 10%, em média. Isto significa que, se nenhum método de controle for utilizado em cana-de-açúcar, na área agrícola o prejuízo potencial da broca é de 12,1% de redução na producão de cana. Ao se levar a cana colhida à indústria, a cana moÃda teria uma redução de 3,8% na produção de açúcar e redução de 2,7% na produção de etanol.
Após o tratamento de controle da broca, seja com inseticida químico ou controle biológico, nossos canaviais apresentam um I.I.% residual, ou seja, pós-controle, que apresenta uma grande amplitude de usina para usina, indo de 1,5% a 9% de I.I.% residual pós-controle (média das áreas de cana da usina). Tomando o mercado total, este I.I.% médio se aproxima de 3,5% de entrenós atacados pela broca da cana.
Estes dados, acrescidos dos gastos anuais com os métodos de controle, nos permite estimar perdas causadas pela broca da cana de R$ 4,88 bilhões em Margem de Contribuição Agrícola e Industrial (MCAI), por ano, se considerarmos a área total cultivada de cana. Dividindo-se este valor pela MCAI incremental de 1 ha sem ataque de broca (receita adicional gerada por 1 hectare de cana menos custos variáveis de CCT e insumos industriais), obtém-se que as perdas equivalem a uma área cultivada de 521.392 hectares de cana, caso não houvesse o dano causado pela praga.
Desta maneira, mesmo após o controle realizado ainda estamos com prejuízos anuais bilionários apenas considerando a broca da cana.
Os estudos econômicos de perdas são importantes porque permitem quantificar o valor econômico da ação das pragas e avaliar os recursos que podem ser empregados para o seu controle, logicamente quando propiciam retorno econômico vantajoso ao produtor.
Apesar de alguns autores citarem a possibilidade de se utilizar a resistência natural de plantas como uma medida a ser incorporada no manejo integrado de pragas como a broca da cana D.saccharalis, até o momento o comportamento de novas variedades obtidas em programas convencionais de melhoramento não se mostram satisfatórios em relação a essa praga, no Brasil.
Assim os estudos atuais estão concentrados na área de Biotecnologia, sendo a principal linha de desenvolvimento a obtenção de eventos com expressão de proteÃna Bt que apresentem efeitos deletérios sobre as populações de larvas recém eclodidas da broca da cana. O exemplo mais comum e eficaz é a introdução de genes que codificam para proteínas Cry de Bacillus thuringiensis (Bt).
Resultados bastante promissores foram obtidos no desenvolvimento a nível de campo da primeira variedade geneticamente modificada para tolerância à broca da cana, mostrando que essa tecnologia poderá estar disponível para utilização em escala comercial, pendente da avaliação e aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.
Esta nova tecnologia, aliada a um manejo integrado com as ferramentas já existentes, especialmente o controle biológico, poderá representar ao Brasil um marco de tecnologia e colaborar na recuperação do setor Sucroenergético.
Luiz Carlos de Almeida é engenheiro agrônomo na Entomol Consultoria, especialista em Tecnologia Agroindustrial
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