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Edmar José Scaloppi
Doutor em Engenharia de Irrigação e professor da UNESP
A água para irrigação representa a maior proporção entre tantos outros usos competitivos. Apenas para ilustrar, uma população de 100.000 habitantes utiliza, aproximadamente, a mesma quantidade de água que apenas 400 hectares de área irrigada, assumindo-se que os sistemas de irrigação apresentem um desempenho muito satisfatório.
Este dado baseia-se em uma demanda hÃdrica pelas culturas irrigadas de quatro milÃmetros por dia e uma eficiência de irrigação de 80%, perfazendo um volume diário requerido de 50.000 litros por hectare.
Para agravar esta situação, a capacidade de muitos sistemas tem sido dimensionada para dotações hÃdricas mais elevadas e o desempenho dos sistemas raramente se aproxima de valores considerados satisfatórios. Nessas condições, aquela área irrigada pode resumir-se a apenas 200 hectares ou menos.
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Alternativas
Ao contrário da pluralidade de alternativas para a produção de energia, o problema da água se agrava na medida em que não apresenta solução alternativa. Assim, a racionalização representa a grande oportunidade para a preservação quantitativa e qualitativa deste recurso natural indispensável e insubstituÃvel.
Há quem arrisque uma previsão para um futuro não muito distante, da existência de grandes comboios marÃtimos transportando água potável entre nações produtoras e populações consumidoras.
A tese da transposição de bacias hidrográficas, que já foi pauta de acaloradas discussões técnicas e polÃticas, está atualmente sendo implementada no país e, de alguma forma, parece antecipar e reforçar esta inusitada previsão.
Por envolver grandes volumes de água e, em geral, considerável pressurização, a prática da irrigação também se classifica como grande consumidora de energia. Entretanto, apesar do elevado custo de investimento e operacional em relação a outros insumos aplicados à produção vegetal, não há dúvida que a irrigação deverá ocupar estatÃsticas cada vez mais privilegiadas na produção agrícola, em virtude de seus incontestáveis benefícios econômicos e sociais.
O grande problema, entretanto, é que utiliza um recurso natural cada vez mais escasso em quantidade e qualidade, além de ser competitivo com outros usuários urbanos e industriais, e principalmente, com a geração de energia nas usinas hidroelétricas, o que pode ser considerado paradoxal, uma vez que requer considerável consumo energético para sua adequada implementação. Valores típicos de consumo energético mensal para irrigar uma cultura já desenvolvida podem atingir 500 kWh/ha.
Escassez de água
A escassez crÃtica de água que tem se manifestado com maior frequência em inúmeras regiões brasileiras permite questionar os méritos de se recomendar agricultura irrigada nessas condições, onde a quantidade e/ou a qualidade da água é limitada até mesmo para o consumo humano ou de animais.
Talvez fosse mais sensato incentivar, nesses locais, atividades econômicas menos dependentes do elevado consumo de água que caracteriza a agricultura irrigada, deixando que a produção de alimentos, fibras e produtos energéticos seja praticada em regiões melhor favorecidas pelo ciclo hidrológico, ou pela disponibilidade de reservatórios ou mananciais perenizados mais satisfatórios.
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Alerta
O fato de, em geral, não haver monitoramento para fins de cobrança ou taxação, deixa o agricultor-irrigante como único responsável pela gestão e controle do uso da água para irrigação.
Por outro lado, seria insensato exigir de cada agricultor o conhecimento técnico e o instrumental necessário para racionalizar a aplicação de água às culturas irrigadas, uma vez que o próprio dimensionamento dos sistemas de irrigação pode não estar comprometido com a economia de água, pelo fato do superdimensionamento representar um maior valor comercial para as empresas fornecedoras de equipamentos.
Mesmo assim, os benefícios econômicos acabam prevalecendo, contribuindo para justificar até mesmo custos desnecessários.
Orientação
A experiência demonstrada pela grande prática da irrigação tem revelado que, em geral, na ausência de orientação e monitoramento apropriados, há uma tendência de se promover uma aplicação excessiva de água às culturas irrigadas, Ã semelhança do que ocorre com frequência em hortas domésticas e áreas ornamentais.
O grande problema, além do desperdÃcio, é a possibilidade da água apresentar substâncias solúveis, notadamente sais, que são propositalmente injetados ou naturalmente dissolvidos, sendo arrastados pela corrente líquida até os mananciais, agravando a qualidade do recurso hídrico original.
Por outro lado, deve-se reconhecer que o desenvolvimento cientÃfico e tecnológico tem proporcionado uma diversidade de recursos capazes de racionalizar a aplicação de água às culturas. O grande impasse reside na forma de repassar esses recursos ao agricultor-irrigante.
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