Autores
Gerarda Beatriz Pinto da Silva
PhD em Agronomia – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
gerardabeatriz@hotmail.com
Raphael Pinto da Silva
Engenheiro agrônomo – Contac – sede Aracati (CE)
O manejo nutricional da cultura da alface depende bastante do sistema de plantio utilizado, ou seja, se a hortaliça será produzida de forma orgânica, convencional, hidropônica ou em sistema de plantio direto de hortaliças (SPDH).
Além disso, as exigências nutricionais variam bastante entre as cultivares de alface disponíveis no mercado brasileiro. Por isso, não existe uma “receita de bolo” pronta, mas sim níveis aceitáveis de nutrientes, onde a cultura irá se desenvolver melhor e assim, produzirá mais.
Para fins didáticos, separamos as formas de manejo nutricional de acordo com o sistema de produção, sendo divididos em sistema hidropônico e sistema convencional.
Sistema hidropônico
É um cultivo alternativo que não envolve a utilização de solo ou substrato orgânico, sendo estes substituídos por uma solução aquosa nutritiva que provém os elementos essenciais para o desenvolvimento da planta. O suprimento de nutrientes e de água para as plantas é feito via solução nutritiva, que pode ser preparada com sais de grau técnico ou até mesmo com adubos solúveis.
No Brasil, o sistema hidropônico predominante é o NFT (Nutrient Film Technique), ou fluxo laminar de nutrientes. Neste sistema, as raízes das plantas ficam submersas em solução nutritiva durante todo o período de crescimento até a colheita.
O fornecimento de nutrientes via solução nutritiva deve ser realizado de forma constante e contínua às plantas. Porém, fatores como temperatura da solução, nível de oxigênio (O2), condutividade elétrica (CE) e pH podem afetar consideravelmente a disponibilidade dos nutrientes na solução e o seu aproveitamento pelas plantas.
Sistema convencional
Consiste no plantio da cultura diretamente no solo ou em substrato. A alface se desenvolve bem quando cultivada em solos bem estruturados, arejados, ricos em matéria orgânica e com boa umidade.
Solos compactados ou encharcados ocasionam decréscimos produtivos e deixam as plantas mais suscetíveis a doenças. O manejo nutricional de alface cultivado no sistema convencional envolve diversas etapas anteriores ao plantio.
Recomenda-se que, inicialmente, o produtor realize uma análise química completa de solo da área onde será realizado o cultivo da hortaliça, a fim de identificar possíveis deficiências de nutrientes no solo. Com base nos resultados desta análise, devem ser realizadas adubações de correção ou de manutenção, com o objetivo de fornecer um nível mínimo de nutrientes necessários ao desenvolvimento da cultura.
Formulação correta para cada fase fenológica
A fase de produção de mudas é uma das etapas mais importantes do processo produtivo e representa cerca de 60% do sucesso da cultura. No sistema convencional, geralmente é realizada em bandejas contendo substrato rico em matéria orgânica, onde ocorre a semeadura direta.
A depender da região e da cultivar de alface escolhidas, a produção de mudas dura em torno de 20 a 45 dias. Nesta etapa devem ser fornecidos todos os nutrientes essenciais ao desenvolvimento da cultura, principalmente os macronutrientes NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), que estão disponíveis no mercado em diversas formulações, cabendo ao agricultor escolher a que melhor se adapta às suas condições.
Já no sistema hidropônico a produção das mudas ou plântulas passa por diversas etapas, onde as plantas passam por “transplante” entre bancadas, para só então chegar à fase de cultivo final. Este processo dura em torno de 20 dias.
Transplantio
No transplantio das mudas em solos deficientes nutricionalmente, pode-se aplicar até 150 kg ha-1 de N (nitrogênio); de 50 a 400 kg ha-1 de P2O5 (fósforo), com posterior incorporação, e 60 a 120 kg ha-1 de K2O (potássio).
As quantidades devem ser calculadas com base na análise de solo, para áreas de primeiro plantio, e adubações de manutenção em áreas com cultivo sequencial de alface ou outra hortaliça.
O termo transplantio também é utilizado no sistema hidropônico. Neste caso, as plântulas de alface passam de uma bancada para outra. No processo, produtores de alface mais especializados utilizam diferentes tipos de solução nutritiva em cada etapa de produção das plantas, e em outros casos se usa a mesma solução durante todo o cultivo.
Adubação de manutenção da cultura
A adubação de manutenção da cultura é realizada conforme a demanda nutricional e a expectativa de produção. Sendo assim, os produtores podem parcelar as aplicações de acordo com as recomendações apresentadas a seguir.
Quando e quanto deve ser aplicado
A alface é uma hortaliça folhosa bastante exigente nutricionalmente, principalmente nos macronutrientes nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K) e cálcio (Ca). O manejo nutricional deve ser realizado com o objetivo de suprir as necessidades da cultura, de modo que nenhum nutriente seja fornecido em excesso ou, em caso mais graves, quando ocorre a falta de determinado elemento mineral.
Os sintomas de deficiência nutricional são característicos para cada elemento e podem ser percebidos de maneira visual na planta.
Especificidade da hidroponia
Na formulação da solução nutritiva, o N em forma amoniacal (NH4+) não pode ultrapassar mais do que 20% da quantidade de N total. Isso facilita o controle sobre o pH da solução, pois em maiores dosagens podem ocorrer problemas relacionados à fitotoxicidade por amônio.
O Ca é um elemento que exige bastante atenção dos alfacicultores, pois a sua translocação e teor nos tecidos estão sujeitos à taxa de transpiração das plantas. Neste sentido, é necessário que haja um equilíbrio ambiental dentro do sistema de manejo hidropônico, pois sintomas como o “tip-burn” ou “queima dos bordos” geralmente estão associados à deficiência localizada de Ca, e podem ser observados mesmo quando o elemento está em níveis adequados no solo ou na solução nutritiva.
Estes sintomas são vistos com frequência nos órgãos que apresentam dificuldade para transpirar, como as folhas mais novas e internas da alface.
Opções
Atualmente, existem diversas soluções nutritivas para a cultura da alface. Geralmente os produtores escolhem a que mais se adapta à sua necessidade, ao sistema de produção hidropônico e a disponibilidade de nutrientes na sua região.
Uma solução nutritiva amplamente utilizada em todo o País é aquela elaborada pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a qual tem sido utilizada com sucesso para várias culturas (Tabela 2). Esta solução contém (em mg L-1): 174 de N-N03–; 21 de N-NH4+ (10,8% do N-total); 183 de K; 142 de Ca; 38 de Mg; 30 de P; 52 de S-SO4+.
Sistema convencional
Com base em análises de solo, deve-se inicialmente priorizar a correção da acidez do pH do solo, de modo a garantir um valor adequado para o cultivo de alface. Recomenda-se adicionar a quantidade de calcário indicada pelo índice SMP para o solo atingir um pH 6. Além disso, a saturação por bases precisa ser maior que 80% e o teor de Mg maior que 1,0 cmolc dm-³.
O N é o elemento exigido em maiores quantidades pela cultura e os solos necessitam de adições regulares deste elemento, principalmente em áreas com baixos teores de matéria orgânica, visto que os valores ideais para o elemento N são baseados no teor de matéria orgânica presente no solo e podem ser fornecidos de acordo com as quantidades recomendadas na Tabela 1.
A adução nitrogenada pode ser dividida em quatro aplicações, sendo ¼ da dose total no transplante, ¼ aos 15 dias, ¼ aos 30 dias e o restante duas semanas mais tarde.
Tabela 1. Teores recomendados de nitrogênio para a cultura da alface
Teor de matéria orgânica no solo (%) | Nitrogênio (kg N ha-1) |
≤ 2,5 | 150 – 200 |
2,6 – 5,0 | 100 |
≥ 5,0 | ≤ 80 |
Fonte: Manual de adubação e calagem para os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O P é o elemento mais limitante para a produção agrícola no País. Plantas de alface deficientes desenvolvem amarelecimento nas bordas das folhas mais velhas, que em casos severos, pode evoluir para necrose.
O K também é um nutriente essencial ao desenvolvimento da alface. Sua deficiência ocasiona necrose nas folhas mais velhas, que em casos mais severos pode evoluir para áreas internervais.
A Tabela 2 mostra os teores de P e K recomendados para a cultura da alface. Após a correção dos teores de P e K no solo, podem ser realizadas adubações de manutenção, nos cultivos subsequentes, aplicando-se 70 a 80 kg de P2O5 ha-1 e 120 kg de K2O ha-1.
Tabela 2. Teores recomendados de fósforo e potássio para a cultura da alface
Interpretação do teor de P ou K no solo | Fósforo (P) (kg P2O5 ha-1) | Potássio (K) (kg de K2O ha-1) |
Muito baixo | 200 | 240 |
Baixo | 140 | 200 |
Médio | 100 | 160 |
Alto | 70 | 120 |
Muito alto | ≤ 40 | ≤ 90 |
Fonte: Manual de adubação e calagem para os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Uma outra alternativa para manter a planta sempre em condições nutricionais adequadas é a utilização de métodos de monitoramento da cultura por meio de sintomas visuais (deficiência ou excesso), análise de tecido vegetal e da solução nutritiva em laboratórios especializados.
Reposição da solução nutritiva
Para o controle da concentração de nutrientes da solução nutritiva, é necessário a utilização de um condutivímetro portátil. Com o desenvolvimento das plantas, elas absorvem nutrientes da solução e a condutividade elétrica (CE) diminui, sendo necessária a reposição dos nutrientes absorvidos pelas plantas.
No cultivo hidropônico de alface sugere-se a reposição de 50% dos nutrientes quando a CE da solução baixar para 50% do valor inicial. Entretanto, existe um limite para o uso desta solução, a qual só pode ser utilizada por no máximo três cultivos sucessivos. Após este período a solução deve ser trocada por completo e a utilização da solução por tempo maior requer análise em laboratório especializado.
Custo do manejo
Devido à necessidade de menor espaço em relação ao cultivo convencional, associado ao consumo racional de água e adubo, a hidroponia tem se tornado uma alternativa economicamente atraente ao produtor de hortaliças folhosas.
O maior custo para o cultivo hidropônico está relacionado à implantação do sistema, e que envolve principalmente a aquisição de canos, equipamento de poço tubular, além da estrutura de cobertura (galpão, casa de vegetação, estufa, túnel, etc.).
Contudo, estes custos são bastante variáveis e dependentes do tamanho do sistema, do tipo do sistema de circulação de nutrientes, da frequência de reposição da solução e do tipo de solução nutritiva utilizada. De acordo com levantamentos realizados pela Embrapa, o investimento inicial total para uma produção mensal de 30.000 plantas é em torno de R$ 65 mil, que podem ser amortizados em torno de um ano.