Raul Henrique Sartori
Doutor em Ciências e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS ““ Campus Muzambinho)
raul.sartoti@muz.ifsuldeminas.edu.br
Thiago Cardoso de Oliveira
Marco Antônio Pereira Ávila
Mestrandos em Energia Nuclear na Agricultura e Ambiente e professores do IFSULDEMINAS ““ Campus Muzambinho
Otávio Duarte Giunti
Mestrando em Agroecologia e Desenvolvimento Rural e professor do IFSULDEMINAS ““ Campus Muzambinho
O desenvolvimento sustentável da agricultura tem um objetivo primordial: produzir alimentos numa quantidade adequada para atender a população crescente do mundo, sem danificar os recursos naturais, dos quais dependem as gerações futuras.
Este é um grande desafio, pois o aumento na produção de alimentos nos próximos anos será a partir da intensificação da agricultura existente, por meio de incrementos em produtividade. A melhoria da eficiência do uso e ciclagem de nutrientes, juntamente com uso racional de água, estão entre as principais estratégias propostas para esses aumentos de produtividade.
Obstáculos à agricultura
Na maioria dos países industrializados, a aplicação contÃnua de fertilizantes em sistemas de produção intensivos resultou em um balanço de nutrientes líquidos positivos (demasiada disponibilidade de nutrientes), consequência do aumento da fertilidade do solo, podendo apresentar potenciais riscos ambientais.
O oposto ocorre na maioria dos solos das regiões tropicais, onde o material de origem, a mineralização dos nutrientes no solo, a exportação pela colheita e os processos erosivos dificultam o acúmulo de nutrientes e o manejo da fertilidade.
Embora os fertilizantes representem uma contribuição essencial para o aumento da produção dos cultivos, o seu custo é, muitas vezes, alto, e seus suprimentos também são limitados em países em desenvolvimento.
Neste contexto, existe uma necessidade para o desenvolvimento de sistemas integrados de nutrição de plantas, por meio da utilização eficiente de todas as possÃveis fontes de nutrientes, orgânicos e inorgânicos, a fim de sustentar o aumento da produtividade das culturas e, simultaneamente, melhorar a ciclagem de nutrientes e conservação do solo e água.
Para atendermos a essa demanda, há a necessidade de se conhecer o comportamento dos nutrientes, nos solos e nas plantas, visando uma melhoria na eficiência de uso dos mesmos. Com isso, a pesquisa com isótopos tornam-se uma poderosa ferramenta para medir a absorção de nutrientes a partir de várias fontes de fertilizantes, para o estudo dos processos que influenciam a eficiência dos fertilizantes aplicados, e para avaliar o destino da fração não eficiente, por exemplo, para minimizar as perdas de nutrientes e água do agroecossistema em estudo.
O que são isótopos
Antes de iniciar-se a discussão sobre a aplicação dos isótopos estáveis e radioativos em pesquisas e estudos agronômicos e ambientais, faz-se necessária a definição do que são isótopos.
Isótopos são espécies atômicas de um mesmo elemento químico que possuem massas diferentes, pelo fato de o número de nêutrons em seus núcleos serem distintos, ou seja, possuem o mesmo número de prótons (conhecido como número atômico, Z), mas diferente número de nêutrons (N) no núcleo dos átomos. Uma vez que a massa atômica (A) é dada pela soma de prótons e nêutrons, os isótopos são variações de um elemento, relacionados à massa atômica.
Por exemplo, no caso do carbono:
12C = 6 prótons + 6 nêutrons
13C = 6 prótons + 7 nêutrons
Segundo Martinelli et al (2009), os isótopos mais “leves“, ou seja, com massa atômica menor, apresentam-se mais abundantes no ambiente. O mesmo pode ser visualizado na tabela 1.
Tabela 1. Alguns elementos e seus isótopos, com suas respectivas abundâncias médias (%).
Elemento |
Isótopos |
Abundância no ambiente (%) |
Carbono |
12C |
98,89 |
13C |
1,11 |
|
Nitrogênio |
14N |
99,34 |
15N |
0,37 |
|
Oxigênio |
16O |
99,76 |
17O |
0,037 |
|
18O |
0,199 |
|
Hidrogênio |
1H |
98,98 |
2H |
0,02 |
|
Enxofre |
32S |
95,02 |
34S |
4,21 |
Fonte: Martinelli et al. (2009)
Os isótopos podem ser estáveis ou radioativos. Seus usos são difundidos no âmbito da pesquisa, atuando como traçadores, sendo utilizados para compreender os ciclos e sistemas biológicos, bioquímicos e fisiológicos.
Os isótopos estáveis não emitem radiações, ocorrendo na natureza em proporção quase constante.
Características
Um radioisótopo ou isótopo radioativo caracteriza-se por apresentar um núcleo atômico instável que emite energia quando se transforma num isótopo mais estável. A energia liberada nessa transição pode ser uma partÃcula alfa, beta ou gama.
Os isótopos radioativos têm aplicações em diversas áreas, tais como na medicina, estudos agrários e ambientais e na datação radiométrica. Por exemplo, o isótopo radioativo Tálio pode identificar vasos sanguÃneos bloqueados em pacientes sem provocar nenhum de dano.
Podem ocorrer naturalmente radioisótopos, em quantidades muito pequenas, como é o caso do potássio, com o seu isótopo 40K (0,01% de ocorrência na natureza). Os radioisótopos naturais existem pelo fato de possuÃrem um tempo de meia vida muito longo, ou ainda por serem produzidos na atmosfera por ação dos raios cósmicos, por exemplo, o isótopo 14C.
A meia-vida de uma espécie radioativa é definida como o tempo para que metade dos átomos radioativos se desintegre, ou seja, emitam radiações; logo, num dado período de tempo os radioisótopos deixam de emitir radiação naturalmente. O isótopo radioativo 40K possui uma meia-vida muito longa (meia-vida do 40K = 1,3 x 109 anos), logo, emitem radiação naturalmente por um longo tempo, com um decréscimo na intensidade.
Na realização de pesquisas em campo aberto, utilizam-se somente isótopos estáveis. O uso de isótopos radiativos restringe-se a ambientes controlados, para uma
A origem
Em 1964, duas organizações das Nações Unidas decidiram unir forças, a FAO e a AIEA, para estabelecerem a Divisão Conjunta de Técnicas Nucleares em Alimentação e Agricultura, com sede na IAEA, em Viena, Áustria.
A missão da Divisão é fortalecer a capacidade para o uso de métodos nucleares em pesquisas, para melhorar as tecnologias existentes, visando promover uma segurança alimentar sustentável e difundir tais técnicas por meio da cooperação internacional em pesquisa, capacitação e outras atividades de divulgação em países membros da FAO e da IAEA.
Os seguintes serviços são fornecidos: coordenação e apoio à pesquisa; gestão de projetos de cooperação técnica; formação de cientistas locais; apoio laboratorial e divulgação de informação científica.
O programa conjunto da FAO/ IAEA em Alimentação e Agricultura é executado pelas seguintes seções: Solo, Recursos HÃdricos e Nutrição de Plantas; Melhoramento Genético de Plantas; Produção e Saúde Animal; Entomologia e controle de pragas; Proteção Ambiental e Alimentar.
Desde a criação da Divisão Conjunta de Solos, Recursos HÃdricos e Nutrição de Plantas, com o apoio da Unidade de Ciência dos Solos e do Laboratório de Biotecnologia da FAO/IAEA, promovem-se pesquisas e transferência de tecnologia de métodos nucleares em três principais áreas: eficiência do uso de fertilizante, fixação biológica de nitrogênio e eficiência do uso da água.
O uso eficiente de fertilizantes químicos
Apenas uma fração dos fertilizantes aplicados ao solo são utilizados pelas plantas. Os demais permanecem no solo ou se perdem por meio de vários processos. Sendo assim, torna-se necessário obter informações sobre as características de diferentes práticas de fertilização, como épocas e métodos de aplicação, e fontes de fertilizantes.
Experimentos utilizando fertilizantes marcados com isótopos estáveis e radioativos fornecem um meio direto de se obter respostas conclusivas a estas perguntas. Por diluição isotópica, é possível determinar diretamente a porcentagem do nutriente absorvido pela cultura (a partir do adubo marcado), a absorção total de nutrientes e a quantidade de nutrientes fornecida pelo fertilizante.
Ao longo das últimas três décadas, a Divisão Conjunta da FAO/IAEA realizou vários programas internacionais de pesquisa sobre o uso de técnicas de isótopos para o desenvolvimento de práticas eficientes em gestão de fertilizantes nas principais culturas de grãos do mundo, como arroz, milho e trigo.
O principal objetivo destes programas era elevar as produtividades de grãos, otimizando a absorção de nutrientes via fertilizantes aplicados. Os primeiros grandes programas de pesquisa utilizando isótopos eram referentes à absorção de nutrientes e recuperação de fertilizantes pelas plantas.
Os resultados desses programas foram utilizados pela FAO para orientar a produção de fertilizantes. A adoção de melhores práticas de produção e uso de fertilizantes em muitos países ao redor do mundo resultou em uma grande economia.