Ricardo BemficaSteffen
Doutor em Ciência do Solo, pós-doutor em Organismos do Solo e Insumos Biológicos pra Agricultura e pesquisador da Renovagro ““ Agricultura Renovável
Gerusa Pauli Kist Steffen
Doutora em Ciência do Solo e pesquisadora do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (SEAPI) do Rio Grande do Sul
Dentre os patógenos de importância econômica para a cultura da soja, os fitonematoides vêm ganhando espaço no cenário brasileiro, podendo, inclusive, inviabilizar algumas áreas de cultivo.
No Brasil, as nematoses em soja estão associadas a, pelo menos, uma dezena de gêneros de fitonematoides, em que espécies dos gêneros Meloidogyne, Heterodera, Pratylenchus, Rotylenchulus e Helicotylenchus são as mais importantes.
A ocorrência destes fitonematoides apresenta-se como um desafio à sanidade de plantas. Dentre as espécies de maior interesse e preocupação quanto ao manejo fitossanitário, os nematoides causadores de galhas radiculares (Meloidogyne incognita, M. javanica e M. arenaria), os causadores de lesões radiculares (Pratylenchusbrachyurus e P. zea) e os nematoides de cisto (Heteroderaglycines nas suas 14 raças identificadas) destacam-se pela distribuição e crescente disseminação nas lavouras.
A cada ano agrícola, fica evidente o aumento da procura por medidas de controle e manejo sustentável destes fitopatógenos, visto que o número de áreas com sintomas da ação destes organismos, especialmente os causadores de galhas e lesões radiculares, vem crescendo significativamente.
Esta disseminação está associada, entre outros fatores, à falta de divulgação dos problemas inerentes à presença destes fitopatógenos nas lavouras, ao restrito conhecimento sobre a distribuição destes organismos no solo, bem como ao manejo equivocado, o qual muitas vezes vem sendo adotado em áreas infestadas.
Com frequência, os sintomas diretos causados pelos nematoides nas raízes concorrem com a manifestação de sintomas indiretos ou reflexos na parte aérea das plantas, decorrentes principalmente de limitações na absorção e no transporte de água e nutrientes disponíveis no solo.
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Causas e consequências
Uma das causas que retarda a identificação da presença de fitonematoides no campo em níveis com potencial de danos à produtividade da soja é o fato de que não raramente plantas atacadas apresentam desenvolvimento vegetativo similar ao de plantas sadias. Isto porque, dependendo da fertilidade do solo e da disponibilidade de água nas áreas infestadas, o fornecimento de nutrientes pode ser suficiente para a planta completar seu ciclo vegetativo, mesmo em condições de elevada formação de galhas ou presença de lesões radiculares.
Contudo, o fitoparasitismo geralmente limita o ciclo reprodutivo da planta, diminuindo significativamente a formação de vagens e, consequentemente sua produtividade. Há relatos de áreas onde a interação entre os fitonematoides e os fatores ambientais, determinantes para a expressão do dano, resultaram em produtividade satisfatória, mesmo em solos com elevada infestação de fitonematoides.
Abordando especificamente a ação de fitonematoides na cultura da soja, observam-se danos médios de 15 a 21% quanto à diminuição da produtividade. Obviamente esta porcentagem de dano traduz uma média geral de todas as regiões onde o patógeno está presente no solo. No entanto, não raramente áreas apresentam danos superiores a 60%, o que inviabiliza a manutenção do ciclo produtivo nestes locais.
Efeitos diretos
Dentre os efeitos diretos relacionados à ação de nematoides no sistema radicular das plantas, podemos citar a intensificação do aminoácido metionina, o qual irá reagir com ATP para formação de um composto chamado de S-adenosilmetionina, que posteriormente será convertido em etileno na planta.
O etileno é um hormônio vegetal relacionado à senescência das culturas. Devido a isso, normalmente plantas de soja atacadas por nematoides dos gêneros Meloidogyne e Pratylenchus apresentam plantas com ciclo reduzido e, por consequência, redução de produtividade.
Outro efeito direto da ação dos nematoides nas raízes é a interrupção do fluxo de água do solo em direção às folhas. Partindo do princÃpio que as folhas das plantas, devido à transpiração, regulam a absorção de água pelas raízes, os danos causados ao sistema radicular pela ação dos nematoides limitam a capacidade de absorver água e nutrientes pelas raízes, alterando a fisiologia da planta.
A resultante visual mais evidente, neste caso, é a redução da tolerância a períodos de estiagem, atraso da entrada na fase reprodutiva e, em casos mais severos, menor enchimento de grãos e senescência das plantas antes mesmo de produzir grãos.
Os fitonematoides endoparasitas migradores ou sedentários possuem a capacidade de penetrar nos tecidos radiculares e se movimentar no interior das raízes devido à ação de seu aparelho bucal e da enzima β-1,4-endoglucanases.
Este grupo de nematoides é responsável por reações de sensibilidade das plantas, provocando a hipertrofia das células radiculares formando as estruturas conhecidas como galhas. Os nematoides do gênero Meloidogyne, endoparasitas sedentários, representam os fitonematoides de maior importância na região Sul do Brasil.
No entanto, embora os danos diretos causados pelos fitonematoides possam limitar o desenvolvimento da cultura da soja, os danos indiretos, intensificados pela presença de determinados fitonematoides no solo, podem limitar significativamente a produtividade da lavoura.
Sabe-se que em áreas com problemas relacionados a podridões ou danos radiculares provocados por Rhizoctonia spp., Plasmodiophora spp., Pythium spp., Fusarium spp. e Macrophomina spp.; murchas vasculares provocadas por Fusarium spp. e Verticillium spp. e mofo branco provocado por Sclerotiniasclerotiorum, a presença de fitonemaoides no solo intensifica os danos causados por estes patógenos.
A resultante da ação dos fitonematoides sobre as raízes é a formação de lesões epidérmicas, seja pela sucção da seiva ou pela entrada do fitonematoide no tecido radicular. Estas lesões no tecido radicular proporcionam o contato dos patógenos de solo, ou seja, representam uma porta de entrada destes agentes fúngicos, os quais irão expressar seu dano à planta.