Autores
Renato Passos Brandão
Gerente Especialista em Nutrição Vegetal
José Renato Otávio
Estagiário do Deptº Agronômico do Grupo Vittia
No Centro-Sul do Brasil, a colheita da cana terá início a partir de março de 2019. A produtividade da cana será reflexo das práticas culturais e influenciada fortemente pelas condições climáticas – regime pluviométrico e temperatura.
Além da preocupação com o TCH (tonelada de colmos por hectare), é notório também a maior preocupação com a obtenção de bons índices de açúcares totais recuperáveis (ATR).
O ATR é um dos parâmetros do sistema de pagamento de cana implantado no Estado de São Paulo a partir da safra 1998/99. Representa a quantidade de açúcares redutores totais (ART) recuperada da cana até o xarope (Fernandes, 2000). O ATR é expresso em kg/t.
Segundo Lavanholi (2008), o ART resulta da somatória dos açúcares redutores presentes no caldo da cana e a glicose e a frutose que se originam da hidrólise da sacarose. Segundo Fernandes (2000), o ART representa todos os açúcares do material na forma de açúcar invertido.
O manejo nutricional da cana influencia a produtividade e a qualidade da cana (Luchesi, 1995). Dentre os nutrientes, o magnésio e o boro destacam-se como aqueles que influenciam no ATR da cana.
Magnésio nos solos
Os solos tropicais, altamente intemperizados, normalmente possuem baixos teores de magnésio, havendo a necessidade da sua reposição. A forma mais econômica para a reposição do magnésio nos solos é a calagem com calcário com teores adequados deste nutriente – calcário dolomítico.
O desequilíbrio do magnésio com os demais cátions básicos do solo – cálcio e potássio – mas principalmente com o potássio, provoca redução da sua disponibilidade à cana. Isso ocorre porque o magnésio e o potássio são transportados pelos mesmos carregadores de membrana e o potássio tem preferência por apresentar menor raio hidratado e aderir com mais energia aos pontos de ligação nos carregadores, com prejuízo para a absorção do magnésio.
Em talhões de cana com o uso continuado de vinhaça, ocorre aumento expressivo nos teores de potássio nos solos, podendo induzir deficiência de magnésio, especialmente em solos com baixo teor deste nutriente.
O teor de magnésio nos solos considerado como adequado à cana situa-se na faixa de 9,0 a 10 mmolc/dm3 e a saturação do solo por magnésio entre 15 e 20%. Para a maioria das culturas, a relação Mg/K no solo deve estar entre 3 e 5 (Prado, 2008).
O fluxo de massa é o principal mecanismo de transporte do magnésio às raízes da cana, sendo absorvido na forma iônica de Mg2+.
Magnésio nas plantas
Dentre as principais funções do magnésio nas plantas, destaca-se a sua participação na constituição da clorofila e como ativador enzimático. O magnésio é constituinte da clorofila (2,7% do seu peso molecular), sendo o átomo central deste pigmento localizado no cloroplasto, onde ocorre a fotossíntese das plantas. Cerca de 50% do magnésio nas folhas encontra-se nos cloroplastos.
A deficiência de magnésio ocasiona a diminuição na síntese de clorofila e, consequentemente, na taxa fotossintética, reduzindo o potencial produtivo da cana. Consequentemente, ocorrerá também redução no ATR da cana.
O magnésio é o nutriente que ativa o maior número de enzimas nas plantas, dentre as quais as relacionadas à síntese de carboidratos. O baixo suprimento de magnésio no solo pode comprometer o fluxo de carboidratos das folhas para o colmo, prejudicando o ATR da cana.
Boro nos solos
O boro é um elemento químico solúvel em água e os minerais contendo este micronutriente possuem baixa dureza. São encontrados apenas em depósitos evaporíticos situados em regiões desérticas, anteriormente ocupadas por lagoas ou praias, por exemplo, Deserto do Atacama, no Chile, Norte da Argentina e Altiplanos da Bolívia .
Em solos de regiões tropicais úmidas, a matéria orgânica é a principal fonte natural de boro às plantas via mineralização, processo mediado por microrganismos. O teor de boro nos solos considerado como adequado à cana situa-se na faixa de 0,5 mg/dm3.
O fluxo de massa é o principal mecanismo de transporte do boro às raízes da cana, sendo absorvido na forma iônica de H3BO3.
Boro nas plantas
Dentre as principais funções do boro nas plantas, destaca-se a sua participação na translocação dos açúcares, atuando no seu transporte das folhas para os demais órgãos da cana, dentre os quais o colmo. O boro combina-se com o carboidrato, formando um complexo borato-açúcar ionizável, mais solúvel nas membranas (Prado, 2008).
Segundo Loué (1993), em plantas com deficiência de boro ocorre a formação de calose (polissacarídeo semelhante à celulose), provocando a obstrução do floema, principal via de transporte da sacarose. Portanto, a deficiência de boro em cana pode reduzir o ATR, comprometendo a qualidade da matéria-prima para a produção de etanol e açúcar.
Magnésio e boro via foliar em cana-soca
Na safra 2017/18, o Grupo Vittia realizou dois ensaios de campo com a aplicação de magnésio e boro via foliar antes do maturador em cana-soca em uma usina na região de Ribeirão Preto (SP).
No primeiro ensaio, os nutrientes foram aplicados via foliar na variedade IAC 1099 – 3º corte – com o uso frequente de vinhaça no solo. No segundo ensaio, os nutrientes foram aplicados via foliar na variedade CTC 4 – 4º corte – utilizando o sistema tradicional de fertilização com cloreto de potássio.
As fontes de magnésio e boro foram o Vittia® Magnésio Max e o NHT® P-Boro-P, respectivamente. O Vittia® Magnésio Max é um fertilizante foliar fluido, fonte de nitrogênio e magnésio solúvel em água à cana. O Vittia® Magnésio Max é produzido com nitrato de magnésio, destacando-se pela sua eficiência agronômica no fornecimento destes nutrientes à cana. Possui 7% de N-nítrico, 6% de Mg e densidade de 1,35 g/mL.
O NHT® P-Boro-P é um fertilizante foliar fluido, com uma formulação diferenciada. O boro é complexado com polióis, garantindo maior translocação do nutriente no floema da cana, proporcionando melhor aproveitamento deste micronutriente. Cada litro do NHT® P-Boro-P contém 105,4 g de boro.
Efeito do Mg e B via foliar na produtividade da cana-soca
A adubação foliar com o Mg e B via foliar antes do maturador proporcionou aumento na produtividade da cana-soca nos dois ensaios (Figura 1). O aumento na produtividade da cana-soca foi 9,05 e 8,74 t/ha nas variedades IAC 1099 e CTC 4, respectivamente. Não houve diferença no incremento de produtividade da cana-soca quanto ao manejo com a adubação potássica.
Figura 1. Efeito do Mg e B aplicados via foliar antes do maturador na produtividade da cana-soca – variedade IAC 1099 – 3º corte – e CTC 4 – 4º corte.
Efeito do Mg e B via foliar antes do maturador no ATR da cana-soca (Negrito)
A adubação foliar com o Mg e B via foliar antes do maturador só proporcionou aumento no ATR na cana-soca adubada com a vinhaça (Figura 2).
Conforme mencionado anteriormente, a vinhaça aplicada nas doses utilizadas pelas usinas tende a aumentar significativamente o teor de K no solo, reduzindo a disponibilidade e a absorção do Mg pela cana-soca – inibição competitiva. A porcentagem de K na CTC no solo com as aplicações frequentes de vinhaça era de 6,5%.
Figura 2. Efeito do Mg e B aplicados via foliar antes do maturador no ATR da cana-soca – variedade IAC 1099 – 3º corte – e CTC 4 – 4º corte.
Provavelmente, o desequilíbrio nutricional entre o K e Mg pode estar causando um acúmulo de sacarose nas folhas da cana em detrimento do acúmulo no colmo, de forma similar ao que ocorreu em beterraba açucareira (Figura 3).
Figura 3. Acúmulo de sacarose e teor de clorofila nas folhas da beterraba em dois níveis de Mg na solução nutritiva (Fonte: Hermans et al., 2004).
Considerações finais
O ATR é um dos parâmetros utilizados para a pagamento da cana aos fornecedores e representa a quantidade de açúcares redutores totais (ART) recuperada da cana até o xarope. O ATR é expresso em kg/t.
Normalmente, o teor de potássio nos solos com uso frequente de vinhaça é alto ou muito alto, induzindo deficiência de magnésio em cana, notadamente em solos com baixo teor do nutriente. Nestas condições de cultivo, a aplicação de magnésio via foliar proporciona aumento expressivo na produtividade e no ATR da cana.
Os solos de regiões tropicais úmidas normalmente possuem baixos teores de boro. A deficiência de boro em cana compromete a translocação dos carboidratos das folhas para o colmo, reduzindo a produtividade e o ATR.
As aplicações de boro via foliar melhoram o transporte dos carboidratos das folhas para o colmo da cana devido à formação de um complexo borato-açúcar ionizável, mais solúvel nas membranas e à inibição da formação de calose (polissacarídeo semelhante à celulose), que obstrui o floema, principal via de transporte da sacarose.